sábado, 31 de março de 2012

Coaching e Análise do Comportamento: uma relação possível.

Etimologicamente, coaching se origina de Koczi, um tipo de carruagem coberta produzida na cidade de Kocs, na Hungria, e amplamente difundida na Europa com o nome de coach. Na língua inglesa, coach remete a treinador esportivo, aquele que desenvolve com seus alunos os melhores desempenhos para que atinjam a vitória em competições. Ambos trazem em si a ideia do coaching atual, qual seja, a de sair de um ponto e chegar a outro, ou ainda, de uma situação atual para atingir outra idealizada, desenvolvendo neste caminho a melhor performance, seja na vida pessoal ou profissional. Coaching é então um processo de assessoria que tem como objetivo desenvolver ou melhorar o desempenho de uma pessoa, grupo ou empresa, utilizando-se para isto de método específico, utilizado por um profissional capacitado, o coach, em parceria com o seu cliente, o coachee.

Por estar em voga no momento, tanto na versão pessoal como na empresarial, o coaching parece tratar-se de algo novo. Como profissão, realmente é. No Brasil surgiu ha cerca de 10 anos. Entretanto, Chiavenato (2002) lembra que os princípios do coaching já foram utilizados pelo filósofo Sócrates em 450 a.C. Este, por meio da maiêutica (parto de ideias) ensinava pessoas a pensar e refletir sobre vários assuntos com o objetivo de proporcionar autoconhecimento, sendo dele a célebre frase “Conhece-te a ti mesmo”. De forma similar, no processo de coaching o profissional utiliza-se de perguntas específicas com o intuito de que o cliente atinja uma melhor compreensão dos próprios comportamentos. O autoconhecimento, segundo Skinner (1974), tem origem social e é extremamente útil, pois o indivíduo passa a haver-se consigo mesmo e desenvolve o autocontrole. Possibilita-lo é uma das tarefas do coach, visto que, quando o cliente passa a entender as variáveis das quais seus comportamentos são função, torna-se capaz de prevê-los e controlá-los.

Esta capacidade de previsão e controle possibilita ao coachee a apresentação de comportamentos que aumentem a probabilidade do mesmo atingir seus objetivos, o famoso “entrar em ação”, advindo da literatura do coaching. Isto implica na apresentação por parte do cliente de um comportamento, ou uma sequência de comportamentos diante de situações que vivencia. Se estas situações que o indivíduo vivencia envolvem um contexto social, diz-se que o mesmo apresenta um desempenho social (Del Prette e Del Prette, 2001). Estes autores descrevem ainda a diferença gradual entre desempenho social, habilidades sociais e competências sociais, sendo a compreensão de tais conceitos de fundamental importância para o profissional que atuará como coach, de forma a delimitar e evitar confusões. Pois, embora não use esta linguagem específica da Análise do Comportamento, o coach trabalha com o desenvolvimento de habilidades sociais, e, estes termos são, muitas vezes, entendidos como sinônimos. Todavia, para os autores, habilidades sociais referem-se à “existência de diferentes classes de comportamentos sociais no repertório do indivíduo para lidar com as demandas das situações interpessoais”. Já competências sociais, de acordo com os mesmos autores, relacionam-se à avaliação que o cliente faz dos efeitos de seu desempenho de suas habilidades em cada situação vivida.

É papel do coach analisar e criar contingências específicas para que o aprendizado de habilidades necessárias ocorra na vida do cliente. Segundo Stefano (2005) in Horst et. al, o coach tem a função de desenvolver as potencialidades do coachee. Deste modo, requere-se que o profissional apresente um repertório comportamental amplo, de modo a possibilitar a ocorrência da análise e a manipulação das variáveis envolvidas no processo de desenvolvimento das habilidades e potencialidades de seus clientes. Sendo assim, embora a profissão de coache não exija formação específica, as autoras propõem que o psicólogo aproprie-se desta prática, pois acreditam que “para que o coaching seja realmente benéfico, o coach deve apresentar características peculiares”, bem como ter conhecimentos sobre relações pessoais, profissionais e grupais. Nesta linha de raciocínio, verifica-se, portanto, que o analista do comportamento possui conhecimentos e habilidades específicas que facilitam o exercício da função de coach. Isto ocorre porque ao analisar funcionalmente os comportamentos apresentados pelo cliente e proporcionar condições para que desenvolva por si só esta análise, o profissional torna a mudança comportamental mais provável e, consequentemente que seus objetivos sejam atingidos de forma eficiente e efetiva. Durante o processo, o profissional interage com o cliente e seu ambiente, fornece estímulos discriminativos e consequências contingentes aos seus comportamentos, de forma a aumentar a probabilidade que comportamentos adequados aos objetivos ocorram, além de diminuir e/ou extinguir a ocorrência de respostas prejudiciais ao adequado funcionamento, consequentemente, atingindo os objetivos idealizados.

Nas organizações, o coaching é utilizado no gerenciamento e desenvolvimento de carreiras e visa à melhoria do desempenho profissional por meio da aprendizagem de novas habilidades e, como consequência, o alcance dos objetivos da organização (Milaré e Yoshida, 2009).  Esta aprendizagem, no enfoque analítico comportamental, está relacionada com a necessidade de se analisar funcionalmente os comportamentos individuais e grupais em uma organização, avaliando o contexto em que os trabalhadores estão inseridos, as variáveis mantenedoras de comportamentos que prejudicam o funcionamento da empresa e aquelas que são favoráveis à obtenção dos objetivos organizacionais. Sendo assim, exige que o coach conheça o contexto organizacional para que possa contribuir nas mudanças necessárias tanto para a organização, como para o indivíduo. No ambiente organizacional, o processo de coaching envolve, em muitos casos, o desenvolvimento de habilidades de liderança e/ou de relacionamento interpessoal, de forma que se atinjam metas a curto e longo prazo. Estas habilidades, e, em especial a de relacionamentos interpessoal neste contexto traz benefícios tanto para o indivíduo, como para a organização. Pois, segundo Del Prette e Del Prette (2007), pessoas que apresentam bom relacionamento social são mais saudáveis e produtivos no trabalho. “O desempenho profissional em diversas áreas, especialmente de gerentes, supervisores, líderes e demais profissionais (...), depende, criticamente, de um conjunto de competências e habilidades de relacionamento. Quando socialmente habilidosos, esses profissionais contribuem significativamente para a melhoria do clima organizacional bem como para a qualidade das relações inter e intra-setores e para a relação com fornecedores, clientes e público em geral” (Del Prette e Del Prette, 2007).

O processo de coaching é vantajoso e traz benefícios para o cliente, dentre os quais se destacam a contribuição para a ampliação do autoconhecimento, do conhecimento acerca de seu ambiente, a melhoria na comunicação e nos relacionamentos, o aumento na frequência do sentimento de autoconfiança e autoestima, autocontrole, tomada de decisões, e, em especial, o atingimento de resultados diante dos objetivos por ele delineados, entre outros. Isto ocorre porque, ao compreender, controlar, prever seus próprios comportamentos e aprender novas habilidades durante o processo, o coachee passa a perceber-se como responsável pelos por eles e, portanto, pelas consequências que espera para sua vida pessoal ou profissional.





REFERÊNCIAS

ARAUJO, Ane. Coach: um parceiro para o seu sucesso. São Paulo: Editora Gente, 1999.

CHIAVENATTO, I. Construção de Talentos - Coaching & Mentoring - Ed. Campus, 2002.

DEL PRETTE, A e DEL PRETTE, Z.A.P. Inventário de Habilidades Sociais (IHS – Del Prette): Manual de aplicação, apuração e interpretação. São Paulo: Casa do Psicólogo, 3ª edição, 2001.

DEL PRETTE, A.E DEL PRETTE, Z.A.P. Habilidades sociais: conceitos e campo teórico-prático. Texto online, disponibilizado em www.rihs.ufscar.br, em dezembro de 2006.

DEL PRETTE, A.E DEL PRETTE, Z.A.P. Psicologia das Habilidades sociais: terapia e educação. 2ª edição, editora Vozes, Petrópolis, RJ, 1999.

HORST, A.C.; FERNANDES, K.F.; PERES, L.C.; JUGEND, M. e SOBOLL, L.A.P. Coaching e Psicologia: uma possibilidade de atuação. Anais do II Congresso Internacional de Psicologia e XI Semana de Psicologia, 2007.

MILARÉ, S.A. & YOSHIDA, E.M.P. Intervenção breve em organizações: mudança em coaching de executivos. Psicol. Estud. Vol. 14. Nº4 Maringá, Oct/Dez. 2009.

SKINNER, B.F. Sobre o Behaviorismo. 9ª edição, São Paulo: Cultrix, 2004.

I Encontro de ACT e FAP no Brasil - São Paulo/SP

Nos dias 19, 20 e 21 de abril de 2012 o Hospital das Clínicas de São Paulo irá sediar o I Encontro de ACT e FAP no Brasil

O encontro tem como objetivo trazer as novidades científicas sobre a Terapia de Aceitação e Compromisso e a Psicoterapia Analítico Funcional ao país, tendo como público-alvo psicólogos, estudantes e profissionais da área de saúde interessados na teoria e prática destas representantes da Terceira Onda da Terapia Comportamental. Entre as atividades do encontro, estão apresentações de conceitos, pesquisas, técnicas e casos clínicos, contando também com vivências e exercícios.


Programação do Encontro:

Dias 19 e 20 de abril (9h às 18h) - Workshop

Conferencistas internacionais: Benjamin Schoendorff e Marie-France Bolduc 

  • Apresentação dos conceitos e técnicas da ACT e da FAP, unida a vivências e exercícios 

Investimento: R$ 300,00

Dia 21 de abril (9h às 18h) - Encontro científico

Conferencistas: Luc Vandenberghe, Roberto Banaco, Maly Delitti, Maria Zilah Brandão, Regina Wielenska, Fátima Comte, Karen Vogel, Michaele Saban, Desiree Cassado, Martha Hubner, Sonia Meyer, Roberta Kovac, Yara Nico, entre outros nomes da Análise do Comportamento e da ACT e FAP no Brasil
  • Apresentação de mini-cursos, pesquisas e estudos de caso envolvendo as terapias da terceira onda

Investimento: R$ 150,00

Valor do encontro (Workshop + Encontro Científico): R$ 400,00

Mais informações sobre inscrições, local e contatos em: http://www.actefap.blogspot.com.br/

sexta-feira, 30 de março de 2012

Na prática a teoria é outra? ‒ Pensamento breve sobre a generalização de dados e a relação da teoria com a prática em Análise do Comportamento


Arranjos experimentais não são completamente generalizáveis às situações naturais, mas isso todo mundo sabe. O problema que isso causa, contudo, acerca de limites, usos e compreensão de uma teoria é algo um pouco mais problemático. Trata-se aqui da questão do fazer científico in loco: do trabalho do analista do comportamento e como este se relaciona a sua teoria ou princípios.

Há certamente um vácuo entre os dados produzidos em laboratório e os dados tratados em situações menos controladas, como no caso da clínica. Contudo, também é certo que a prática do analista do comportamento, seja ele clínico ou trabalhando em qualquer ambiente para intervenção, é orientada por sua teoria. E aqui está um bom problema para tentar lidar de modo epistemologicamente orientado: o balanceamento entre uma teoria de viés experimental e sua utilização em ambientes cujo controle é inviável ou tem sua viabilidade prejudicada em alguma medida.

Algumas incursões científicas programáticas [1] tem procurado lidar com este vácuo existente entre os dados produzidos na pesquisa básica e aquilo que é produzido na pesquisa aplicada ou mesmo na atuação profissional. É o caso, por exemplo, da concepção da Ciência Translacional que é, grosso modo, uma noção oriunda das ciências da saúde em geral que promove a produção intermediária entre o que é considerado básico e o considerado aplicado.

Ao passo que este tipo de empreendimento poderá caminhar na direção de diminuir a distância entre o que é produzido no âmbito profissional e aquilo que é produzido em laboratório por meio de pesquisa básica, questões concernentes à distância, e mesmo sua redução, ainda restam na construção da compreensão compartilhada entre acadêmicos e profissionais.

Uma das possíveis explicações para a diferença entre o que é feito pelos profissionais e o que é produzido em ciência básica é que ao longo do desenvolvimento da Psicologia (ou Análise do Comportamento) como atuação profissional e sua relação com o desenvolvimento da atividade de pesquisa no mesmo campo, é possível considerar que a atuação profissional começou “antes” que o conhecimento produzido nos laboratórios fosse generalizável em medida satisfatória: isto é, houve discrepância imediata entre o básico e o aplicado, sendo que o segundo iniciou um desenvolvimento autônomo, e profícuo, mas criando descompasso entre ambas as áreas. Skinner (1990), em sua última conferência, na ocasião do recebimento de sua Menção Honrosa da APA pela Notável Contribuição à Psicologia [2], afirma que o desenvolvimento da psicologia como profissão, como prática foi muito mais rápido que o desenvolvimento da psicologia como ciência. E isto então teria levado a construção de novas ciências, derivadas da prática (psicologia clínica, do desenvolvimento, p.ex.).

À parte a razão para a diferenciação das atividades de pesquisa básica e atividade profissional, a questão da diferenciação em si ainda aparece sobre a possibilidade de transposição de dados de um ambiente mais controlado a um ambiente mais natural ou, de mesmo modo, acerca da compreensão de fenômenos cotidianos pelos princípios da pesquisa experimentalmente orientada [3].

E, ainda, ao considerarmos que os corpos de conhecimento produzidos em ambas as atividades de produção de dados são diferentes abordagens sobre o mesmo tema, restam as dúvidas: onde reside a diferença entre os constructos? E, sendo constructos distintos, mesmo que convergentes, qual o caminho para unificá-los?

São características da Análise do Comportamento, dentre outras, sua construção histórica sobre as bases do empirismo e busca por princípios fundamentais simples e gerais acerca do comportamento humano. Neste sentido, portanto, é possível compreender que, havendo diferenças entre os constructos teórico e prático, esta divergência seria de aspecto nomológico (referente às leis, à explicação) e não ontológico (de natureza) [4].

Sendo encontradas diferenças explicativas e de variáveis entre os constructos, e garantindo então que não estamos tratando de diferenças ontológicas, o próximo passo seria a construção de uma relação lógica entre os enunciados constituintes das duas abordagens (básica a aplicada): uma vez que o fenômeno não divergiria, mas sim o acesso a ele em diferentes níveis explicativos [5]. E, levando em consideração a estrutura científica proposta por Ernest Nagel [6], por exemplo, poderia tratar-se de um processo de redução.

O processo de redução em ciência costuma ser alvo de críticas, chegando a ser considerado um problema em si mesmo, no sentido de que a redução seria degenerativa às teorias científicas. Com relação a este aspecto degenerativo, bastaria um exemplo para demonstrar que a redução é um processo válido, contínuo e que promoveu avanços ao longo da história. Ilustrativamente, portanto, é possível citar a redução da física Galilaica à Newtoniana. A segunda, sendo mais abrangente e generalizável, acabou por incorporar as leis da primeira. Note que este é um processo redutivo e sem perdas ou sem “supersimplificação” (crítica costumeira, e ingênua, aos processos de redução científica). E sim, redução pode significar expansão teórica. Afinal, a redução é uma questão relativa à lógica dos enunciados e não ao escopo compreensivo da ciência, como pode ser pensado no senso comum.

Assim, mantendo a perspectiva de Nagel para a análise desta questão, é razoável considerar que o processo de diálogo e transposição de teoria e prática (entendidas aqui como duas teorias autônomas) ocorreria por meio de uma redução homogênea. Redução homogênea, como no caso do exemplo da Física mencionado anteriormente, é, grosso modo, a situação em que uma teoria mais abrangente aparece e inclui a anterior. E esta inclusão ocorreria sem “conflito” teórico, uma vez que a teoria mais abrangente manteria os conceitos da teoria anterior e sem alteração de sentido. E, dessa maneira, o diálogo estaria preservado, a distância entre as interpretações laboratoriais e cotidianas diminuída, e ainda mantendo a elegância e plausibilidade teórica sem serem consideradas diferenças ontológicas entre os fenômenos [7].

Em suma, as variáveis consideradas no campo da produção de pesquisa básica são diferentes das variáveis consideradas na atuação profissional e prática, o que pode demandar procedimentos mais elaborados para a transposição teórica e/ou metodológica do que a simples comparação. Programas de pesquisa, como é caso daqueles que envolvem a concepção de Ciência Translacional podem ser um caminho profícuo para a superação desta distância conceitual e procedimental entre ambas. Mas, mais do que isso, considerando a atuação do psicólogo, é bastante relevante manter vivo o questionamento constante de qual a relação entre o que se faz e o que se produz na teoria. Afinal, se a prática está dissonante da teoria, mais do que constatar esta condição, faria parte do desenvolvimento da área a compreensão da diferença: seja para delimitar campos, seja para unifica-los.


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  1. Como um exemplo deste tipo de incursão, de relevância crescente, é possível destacar recente criação do National Center for Advancing Translational Sciences (NCATS), em 23 de dezembro do ano passado nos EUA.
  2. Recentemente mencionado em coluna do Comporte-se.
  3. Para um exemplo do tratamento deste tipo de questão em Análise do Comportamento, é possível destacar o trabalho recente: Baum, W. M. (2012) Rethinking reinforcement: allocation, induction, and contingency. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 97, 101-124. (Disponível aqui)
  4. Uma boa parte do raciocínio presente deste momento em diante foi fruto da leitura, há pouco menos de um ano, de artigo mencionado adiante. Trata-se de uma análise do problema do Materialismo Eliminativo acerca das Neurociências em relação à Psicologia. Neste sentido, por considerar sua argumentação válida também para o caso aqui exposto, esta espécie de analogia tinha sido proposta e, na execução atual do texto, motivada também pelo aparecimento recente da proposição teórica de Baum, pareceu mais adequado ainda considerar estes aspectos de “fusão” teórica. O artigo: Araujo, S. F. (2011) O Materialismo Eliminativo e o problema ontológico da Psicologia. Revista Ética e Filosofia Política, 14, 1, 36-45.
  5. Novamente aqui, refiro-me ao texto de Baum (mencionado em 3, acima), que dá um exemplo de uma tentativa de unificação lógica entre os enunciados básico e aplicado. Não está em análise aqui a validade desta proposta de unificação específica, mas sim o processo em si.
  6. Ernest Nagel (1901 – 1985). Filósofo da ciência, comumente visto como integrante do movimento do Positivismo Lógico, escreveu, dentre outras obras, “The Structure of Science: Problems in the Logic of Scientific Explanation” (1961), onde relata as relações lógicas de reducionismo aqui mencionadas.
  7. Aqui estou fazendo referência mais uma vez ao texto de Baum (mencionado em 3, acima), que propõe a unificação das explicações moleculares (aproximadamente, as laboratoriais) e molares (aproximadamente, as cotidianas e de situações naturais), compreendendo que haja diferenças ontológicas entre elas.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Análise Comportamental da religiosidade


Seria de se esperar que a evolução humana fosse acompanhada pelo investimento cada vez maior no raciocínio lógico e na ciência, e pelo abandono de práticas místicas. Porém, a crença em forças consideradas de ordem superior, criadoras do universo, constitui uma característica presente entre povos das mais diversas culturas e ao longo de diferentes períodos históricos (Rodrigues & Dittrich, 2007).


Tais condições suscitam algumas questões ao analista do comportamento: O que mantém comportamentos religiosos particulares, tais como o ato de rezar privadamente, ou padrões culturais que envolvem o comportamento entrelaçado de diversos sujeitos, tais como rituais de consagração a deuses? Quais os motivos pelos quais a adesão a religiões permanece como prática compartilhada por tantos indivíduos, nas mais diversas culturas? Que contingências favorecem o surgimento e manutenção de práticas religiosas? Há alternativas mais vantajosas do ponto de vista do indivíduo e da cultura para o controle exercido pela religião?

Em uma perspectiva evolucionista, a manutenção de práticas religiosas nas mais diversas culturas ao longo do tempo permite-nos inferir que tais práticas provavelmente têm valores adaptativos importantes. Nessa perspectiva, autores tais como Houmanfar, Hayes e Fredericks (2001) discutem a importância da religião para a sobrevivência das culturas. Skinner (1953/1981), por sua vez, discute a religião enquanto uma agência de controle do comportamento humano, apontando, em uma análise comportamental (individual), as vantagens e desvantagens dessas relações de controle.

Porém, afora algumas poucas publicações, de um modo geral pouca atenção vem sendo dada, na Análise do Comportamento, à discussão da religião (enquanto agência de controle) e da religiosidade (aqui entendida como o conjunto de comportamentos verbais e não verbais e/ou práticas culturais reproduzidas por um grupo social ou um membro desse grupo, isoladamente). Com frequência, esses tópicos são indiretamente tratados no âmbito das discussões sobre “comportamento supersticioso”, de tal modo que o comportamento religioso é abordado enquanto um comportamento cujo responder é controlado por eventos subsequentes independentes da resposta.

Porém, como destaca Herrnstein (1966), os rituais religiosos não são arbitrários, como o comportamento supersticioso originalmente descrito por Skinner (1948), e sim produtos de uma aprendizagem social. Assim, como exemplifica aquele autor, a crença na transubstanciação por parte de um católico particular, por exemplo, não é adquirida por meio de uma relação acidental entre o responder do indivíduo e um evento ambiental reforçador, e sim por meio de reforços mediados pela cultura.

Além de não serem necessariamente arbitrários, outra diferença que pode ser apontada entre comportamentos supersticiosos e comportamentos e práticas religiosas é o fato de esses últimos, contrariamente aos primeiros, serem frequentemente permanentes (no sentido de que recorrem, ao longo do tempo).

Além disso, como bem apontou o personagem fictício Gottlieb, cristão ortodoxo do diálogo proposto por Rodrigues e Dittrich (2007), “é equivocada a consideração de que todos compreendem suas práticas religiosas da mesma maneira” (p. 528). Diferentes cristãos, embora possam reproduzir as mesmas práticas, podem estar sob controle de variáveis diferentes.

Partindo dessas considerações, a análise da religiosidade tendo em vista um processo comportamental único, que estaria na base de todas as práticas religiosas, pode se constituir uma alternativa por demais limitada para a compreensão do fenômeno. Embora processos de seleção e manutenção de respostas por eventos subsequentes independentes possam compor o complexo arranjo de contingências que constituem a religiosidade, seu caráter eminentemente social sugere que, para sua análise, faz-se necessário considerar outras possíveis relações de controle subjacentes a esse fenômeno comportamental/cultural.

Entende-se que propostas de análise que atentem, ao mesmo tempo, para o caráter aparentemente supersticioso e socialmente mediado dos processos de aquisição e recorrência de comportamentos e práticas religiosas podem constituir alternativas adequadas à discussão dos fenômenos em questão.

Na medida em que favorecem a compreensão das relações de controle presentes na religiosidade, tais análises ampliam as possibilidades de previsão e controle de uma parcela importante de comportamentos individuais e de práticas culturais. Dentre outras implicações, o conhecimento de tais relações pode favorecer o desenvolvimento de tecnologias comportamentais em contextos individuais (como na clínica), ou sociais (para o planejamento e/ou intervenções culturais).

Referências

Herrnstein, R. J. (1966). Superstition: a corollary of the principles of operant conditioning. In W. K. Honig (Ed.), Operant Behavior: areas of Research and Application (pp. 33-51). New York: Appleton-Century-Crofts.

Houmanfar, R., Hayes, L. & Fredericks, D. (2001). Religion and cultural survival. The Psychological Record, 51, 19-37.

Rodrigues, T. S. P. & Dittrich, A. (2007). Um diálogo entre um Cristão Ortodoxo e um Behaviorista Radical. Psicologia Ciência e Profissão, 27 (3), 522-537.

Skinner, B. F. (1948). "Superstition" in the pigeon. Journal of Experimental Psychology, 38, 168-172. Skinner, B. F. (1981). Ciência e Comportamento Humano. (J. C. Todorov & R. Azzi, Trads.). São Paulo: Martins Fontes, 5ª. ed. (Originalmente publicado em 1953).

terça-feira, 27 de março de 2012

Sorteio - Curso: Análise do Comportamento na Gestão de Qualidade (São Luís/MA)

O Centro de Análise do Comportamento (CENACOM) está promovendo o curso Análise do Comportamento na Gestão de Qualidade, que ocorrerá nos dias  14 e 15 de abril, na Faculdade Atenas Maranhense (FAMA). O curso é direcionado a psicólogos, administradores, gestores e estudantes destas áreas e áreas afins, e será ministrado pelas professoras Drª Ilara Nogueira da Cruz e Msc. Silvia Vale.


O Canal Aberto Psi e o CENACOM, em parceria com o Comporte-se, sortearão uma bolsa integral para este curso! Leia as regras abaixo e saiba como participar:
Importante: Perfis feitos apenas para participar do sorteio serão desclassificados. Vale lembrar que apenas a bolsa está sendo sorteada, ficando a cargo do ganhador custeio de passagens e hospedagem se houver.

Você pode participar do sorteio até o dia 08 de abril! O resultado sairá no dia 12 de abril e será divulgado no site canalabertopsi.com, bem como nas página do Canal Aberto Psi e do Comporte-se no Facebook.

O ganhador terá até 24h para entrar em contato via e-mail contatos@canalabertopsi.com.br, enviando seus dados (nome completo, endereço de e-mail, telefone, e se é estudante ou profissional).

O Canal Aberto Psi também promoverá o sorteio de uma inscrição do I Seminário Maranhense de Logoterapia e Análise Existencial. Confira a aba de promoções da página! http://www.facebook.com/canalabertopsi

Para mais informações, entre em contato através do e-mail: contatos@canalabertopsi.com.br. Boa sorte!

segunda-feira, 26 de março de 2012

Autismo: a visão da Análise do Comportamento

Começo aqui uma série de publicações sobre os Transtornos do Espectro do Autismo e como a Análise do Comportamento tem atuado nesta área. A cada mês pretendo abordar um tema relevante na intervenção comportamental com esta população, de forma a abranger conceitos teóricos e práticos. Assim, acredito que estas publicações se destinam tanto aos profissionais da área da saúde (médicos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, etc.), quanto a pais, familiares e cuidadores de crianças que foram diagnosticadas dentro do espectro do autismo ou que possuem algum tipo de atraso no desenvolvimento. Gostaria de discutir com meus leitores acerca dos temas publicados e, inclusive, receber pedidos e sugestões de temas para as próximas publicações. 

Este artigo inicial tem como objetivo apresentar alguns conceitos básicos da Análise do Comportamento que são fundamentais para a compreensão dos transtornos do desenvolvimento sob a luz desta abordagem, bem como para a prática do analista do comportamento com esta população.

O DSM IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 4ª Ed.) apresenta os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) como um grupo de transtornos que inclui o Autismo, a Síndrome de Asperger, a Síndrome Semântico-Pragmática, o Transtorno Desintegrativo da Infância, o Transtorno do Aprendizado Não Verbal (TANV) e os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento sem Outra Especificação (TID-SOE). A figura abaixo, retirada de Mercadante, Van der Gaag e Schwartzman (2006), apresenta as diversas categorias do transtorno invasivo do desenvolvimento e como elas se entrelaçam. 




Segundo Gillberg (2005) estas variantes podem ser descritas a partir da tríade de deficiências, ou seja: prejuízo grave do desenvolvimento de interações sociais; prejuízo grave do desenvolvimento da comunicação; e limitação da variabilidade de comportamentos. 

O autor descreve como características do prejuízo no desenvolvimento de interações sociais a ausência de contato visual com o outro durante as interações sociais; a dificuldade de interação com crianças da mesma idade, sendo a interação com crianças mais velhas e com adultos mais fácil; a falta de reciprocidade sócio-emocional, ou seja, a dificuldade em expressar suas emoções para o outro e em ser afetado pelas emoções do outro; e a ausência de procura espontânea de compartilhamento do prazer, isto é, as crianças autistas, inicialmente, não buscam mostrar ao outro algo que lhes causa prazer, não procuram dividir com o outro suas emoções. 

A busca de compartilhamento do prazer é um evento corriqueiro e banal para a maioria das pessoas. É comum não conseguirmos desfrutar de um prazer sozinhos, mas sim termos a necessidade de mostrar ao outro nossa conquista, nosso objeto de felicidade. Qualquer um concordaria que conquista alguma está completa se não for vista pelos outros, se não for de conhecimento público. Esta é uma característica social básica e fundamental, mas difícil de ser observada em crianças e adolescentes autistas antes de qualquer intervenção. 

Na categoria de deficiências da comunicação Gillberg (2005) aponta o atraso ou não desenvolvimento da linguagem falada e, também, dos demais comportamentos que compõem a comunicação, como as expressões faciais, os gestos, a postura corporal, etc. O autor também descreve a presença de um discurso repetitivo, incluindo a ecolalia (repetir falas ou partes das falas de outras pessoas ou de filmes). Também está nesta categoria a ausência de brincadeiras sociais, que são totalmente fundamentadas na comunicação. Enfim, são crianças que não adquirem a comunicação funcional e todos os seus componentes apenas com as contingências de ensino naturais presentes na comunidade verbal. 

Finalmente, em relação às limitações na variabilidade comportamental, Gillberg (2005), relata que as crianças autistas apresentam preocupação circunscrita a um interesse especial, demonstrado por meio da busca freqüente por imagens, textos, vídeos e objetos sempre do mesmo tema, além de verbalizações repetitivas sobre este tema. Muitos autistas que desenvolveram bem a linguagem falada ainda têm problemas na aquisição da comunicação funcional, afinal falam bem e com boa dicção, mas só falam sobre seus temas de interesse e não ficam sob controle do ouvinte, ou seja, não percebem quando o assunto não interessa ou não está sendo compreendido pelo outro. 

Também faz parte desta terceira categoria de deficiências a dependência compulsiva de rotinas. É comum observarmos crianças autistas que se angustiam exageradamente com qualquer pequena mudança na rotina, seja a ausência de uma das atividades que ela teria naquele dia; ou uma simples mudança de caminho para ir de casa para a escola; ou ainda o fato de alguém ter se sentado em seu lugar à mesa. Estes eventos que parecem comuns em nosso cotidiano são enfrentados com muita angústia, irritação e agitação por grande parte dos autistas. 

As estereotipias motoras e a preocupação com partes de objetos completam as limitações na variabilidade comportamental. Os comportamentos repetitivos são as características mais conhecidas desta população. São comportamentos com função auto-estimulatória, ou seja, que visam apenas o prazer físico, o que atrapalha muito as interações sociais e o aprendizado. Os brinquedos são normalmente manipulados de forma estereotipada, repetitiva e apenas sensorial. Estas crianças tendem a não considerar o objeto como um todo, mas lidar com uma parte específica do objeto que, geralmente, causa alguma estimulação sensorial (visual, tátil, olfativa, auditiva ou gustativa). Por exemplo, é comum observar crianças autistas que se deitam no chão e movimentam um carrinho de brinquedo olhando fixamente para as rodas girando, algumas chegam a virar o carrinho de cabeça para baixo para rodarem suas rodinhas e assistirem a este movimento. 

O objetivo destes comportamentos é apenas sensorial e não social, não existe um faz de conta ou o uso do carrinho como sendo um carro, mas sim o uso de um objeto que tem um movimento giratório que causa uma sensação visual prazerosa. São comportamentos reforçados automaticamente (por sensações prazerosas) e, com isso, tornam-se muito de frequêntes, ocupando grande parte do tempo em que a criança poderia estar interagindo com familiares e amigos, aprendendo novos comportamentos e se divertindo de formas mais adequadas socialmente. 

Tal como descrito até aqui, o diagnóstico médico visa identificar estas topografias comportamentais agrupadas em categorias. Estas categorias são definidas com base nos desenvolvimentos esperados para cada idade tendo como ponto de partida o desenvolvimento típico ou o que comumente se chama de “normal”. Mas qual seria visão da Análise do Comportamento? Analistas do Comportamento nem falariam em diagnóstico, mas sim em Avaliação Comportamental. Esta, por sua vez, busca identificar respostas do indivíduo considerando o contexto (ambiente ou situação) onde ocorrem e, ainda, considerando as consequências que estas respostas produzem. Assim, a análise do comportamento visa uma explicação individualizada, a partir da análise da relação entre eventos ambientais e eventos orgânicos. 

Nosso objeto de estudo é o comportamento, mas comportamento enquanto relação entre ambiente e organismo, e não apenas resposta ou ação. Consideramos ambiente tudo aquilo que afeta as ações do indivíduo, sejam estímulos da natureza, estímulos sociais (de outro ser humano) ou estímulos do próprio organismo (sensações, sentimentos, eventos internos). O organismo, por sua vez, abrange as características biofisiológicas que são afetadas pelo ambiente e também o afetam. Segundo Skinner (1974), “uma pessoa não é um agente que origine, é um lugar, um ponto em que múltiplas condições genéticas e ambientais se reúnem num efeito conjunto.” (p.145). 

Todos os comportamentos são determinados pela ação conjunta de três fatores: 1) Filogênese: a herança genética transmitida de pais para filhos, as características físicas selecionadas na evolução das espécies; 2) Ontogênese: a história adquirida nas vivências pessoais do organismo, a chamada aprendizagem, que consiste na seleção de comportamentos por suas conseqüências; 3) Cultura: a sobrevivência de padrões de comportamento passados de um indivíduo para outros de seu grupo. 

Os comportamentos reflexos (respostas involuntárias) são comuns a todos os indivíduos da mesma espécie e determinados apenas pela filogênese. Estas respostas não são passíveis de mudança, são respostas certas e inevitáveis a estímulos ambientais, como a contração da pupila em contato com a luz; o piscar dos olhos frente a uma ameaça de atrito; os movimentos peristálticos; etc. Nossa intervenção neste campo se limita apenas a tornarmos estímulos neutros capazes de eliciarem tais respostas reflexas, através do pareamento destes estímulos com os estímulos que inicialmente eliciam estas respostas. Mas não somos capazes, ainda, de modificarmos a intensidade e a freqüência das respostas reflexas. Esta é a área de atuação da medicina e, mais especificamente, da genética. 

A área de atuação do psicólogo situa-se na ontogênese, isto é, na história de vida que faz cada um ser um indivíduo único. Quem já conheceu gêmeos monozigóticos sabe que o fato de terem a mesma genética não faz com que sejam pessoas idênticas, pelo contrário, é comum vermos casos de gêmeos monozigóticos com características comportamentais completamente opostas. É aí que enxergamos claramente a ação da ontogênese, afinal, mesmo sendo geneticamente idênticos e tendo crescido juntos, estes gêmeos não terão histórias de vida e aprendizados idênticos. Quando os pais forem lhes ensinar a andar de bicicleta, por exemplo, eventualmente haverá uma pedra ou um buraco no caminho de um dos gêmeos, que cairá e terá este comportamento frustrado e naturalmente punido. Provavelmente, este gêmeo não vai se tornar um grande ciclista. Enquanto isso, o outro gêmeo que ocasionalmente foi por um caminho sem pedras e buracos, pôde pedalar com perfeição e teve seu comportamento instantaneamente reforçado. Este segundo irmão terá mais chances de voltar a pedalar no dia seguinte e nos próximos. 

Esta seleção de comportamentos por suas conseqüências gera os comportamentos operantes, ou seja, ações que produzem alterações no ambiente. Estas alterações ou conseqüências, por sua vez, retroagem sobre as ações do organismo modificando-as, aumentando ou diminuindo sua probabilidade de ocorrência. A queda do primeiro gêmeo reduz a probabilidade de ocorrência do pedalar, enquanto que o sucesso do segundo aumenta a probabilidade desta resposta. 

Assim, para a análise do comportamento cada indivíduo é único e, por isso, não faz sentido a noção de diagnóstico, que é baseada na comparação entre indivíduos e grupos. Sem deixarmos de utilizar o diagnóstico médico como nomenclatura oficial e documento fundamental, fazemos a nossa avaliação focada na história de aprendizagem da criança. Olhamos para seus comportamentos como respostas que foram selecionadas no decorrer de sua história de vida e que só continuam ocorrendo porque continuam produzindo conseqüências reforçadoras. Seja esta uma resposta adequada socialmente ou não, seja um brincar funcional ou um comportamento auto-lesivo (machucar a si mesmo). Todos os comportamentos têm uma função e não são considerados estranhos e nem inesperados se considerarmos a história de vida na qual estes comportamentos produziram conseqüências que os selecionaram e os mantêm até hoje. 

O analista do comportamento vê os transtornos invasivos do desenvolvimento como o quadro genético e neurológico que são, porém analisa os comportamentos de cada criança que recebeu este diagnóstico como faria com os comportamentos de qualquer pessoa, ou seja, buscando variáveis ambientais presentes no momento em que cada resposta aconteceu no passado e as consequências que esta resposta vem produzindo no ambiente. Chamamos isto de função dos comportamentos e podemos afirmar que até comportamentos “estranhos” observados em crianças autistas têm uma função, ocorrem porque são adaptativos e úteis na vida desta criança. Os autistas não aprenderam outros comportamentos mais adequados que produziriam as mesmas conseqüências. Na ausência de uma fala funcional e inteligível, os comportamentos auto-lesivos e as birras são extremamente úteis na comunicação e, por isso, se mantêm. 

Esta série de artigos continua em 24 de abril, com a apresentação detalhada desta avaliação comportamental que é feita na clínica e no ambiente natural da criança antes do início da intervenção. 

Referências Bibliográficas: 

ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA, APA. (2002). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. (DSM – IV – TR). Porto Alegre: ARTMED. 

GILLBERG, C. (2005). Transtornos do espectro do autismo. Palestra feita no Auditório do InCor, em São Paulo. 

MERCADANTE, M. T., VAN DER GAAG, R. J. & SCHWARTZMAN, J. S. (2006). Transtornos invasivos do desenvolvimento não-autísticos: síndrome de rett, transtorno desintegrativo da infância e transtornos invasivos do desenvolvimento sem outra especificação. Revista Brasileira de Psiquiatria, 28 (1), pg. 12-20. 

SKINNER, B. F. (1974/1982). Sobre o behaviorismo. Tradução de Maria da Penha Villalobos. São Paulo: Cultrix: Ed. Da Universidade de São Paulo.

Tô curtindo Análise do Comportamento, e agora?

Dicas para quem está começando 

Salvo algumas exceções, a Análise do Comportamento não é muito prestigiada pelos cursos de Psicologia do nosso País. Sofremos com a ausência de professores, com a falta e sucateamento de laboratórios, com a falta de livros da área e por aí vai. Além de todas essas intempéries, ainda temos que aturar um turbilhão de críticas infundadas e preconceitos. 

Se ainda assim você escolheu se tornar um Analista do Comportamento (ou está pendendo para isso) merece os meus parabéns! Este post é dedicado a você, que – como verá – não está sozinho no mundo. 

No texto que em questão organizei algumas dicas feitas especialmente para acadêmicos (de Psicologia, ou não) que por alguns motivos estejam se sentindo atraídos pela episteme analítico-comportamental. Em função das novas regras editorias (textos de no máximo duas laudas), as dicas estarão divididas em duas postagens. Esse texto é um produto da minha – curtíssima – história dentro dessa abordagem, portanto peço uma forcinha aos mais vividos para incrementá-las utilizando nosso espaço para comentários. 



1) Seu professor não responde por todos os Analistas do Comportamento. 


 Não é estranho que o seu interesse pela abordagem seja, principalmente, em função do carisma de um determinado professor. Isso não é ruim, mas merece algumas considerações. Os padrões comportamentais dos membros da nossa comunidade científica são tão diversos como o armário de sapatos da socialite Narcisa Tamborindeguy¹. Temos sujeitos que variam desde uma reprodução fidedigna do arquétipo que nos deram (cientistas sisudos, com parcas habilidades sociais, trancados em laboratórios cheios de bichinhos) até os mais expansivos. Portando não utilize o seu professor como parâmetro para se envolver – ou não - com qualquer abordagem. 


2) Busque conhecimento! 


 Essa dica – emprestada do nosso E.T. midiático, Bilu² - permeará todas as outras. Temos na internet diversos bancos de dados que disponibilizam arquivos quentíssimos a todo o momento. Revire esses bancos de dados, garimpe os livros da sua biblioteca, vasculhe sebos³, pentelhe os seus professores (comedidamente), visite blogs regularmentre. Corra atrás... Comporte-se! 
É possível encontrar algumas sugestões de bancos de dados e periódicos analítico-comportamentais na ala “docs” do nosso grupo no facebook4



3) Participe de eventos. 

A Análise do Comportamento possui aplicações em diversos contextos. Podemos dizer que onde há interação ente um organismo e um ambiente, há uma possibilidade de estudo/intervenção. Participar de eventos te possibilitará: conhecer a dimensão dos campos de atuação, conhecer as linhas de pesquisa que estão sendo desenvolvidas, ficar por dentro das novas publicações, conhecer o trabalho dos institutos que oferecem cursos na área (extensão, formação e pós-graduação), ficar por dentro dos eventos que teremos e – não menos importante - você terá a oportunidade de confraternizar com estudantes e professores da área. Enfim, é muito bom. Ah! Além de tudo isso, ajudará a dar um up! no seu Lattes5 (o cartão de visita dos acadêmicos). 

Atualmente temos um grande evento anual da área no Brasil, o Congresso da ABPMC. Além desse, várias Jornadas de Análise do Comportamento e eventos vinculados aos institutos que oferecem pós-graduação na abordagem são realizados nos quatro cantos do nosso País6


4) Participe das redes sociais 


É possível interagir com estudantes e profissionais da área em diferentes ferramentas da internet. Seguem os principais meios de comunicação dos behecas brasileiros: 

Lista de emails no Yahoo!: http://br.groups.yahoo.com/group/COMPORT/

A partir desses grupos, é possível tirar dúvidas, travar debates, sugerir leituras, receber dicas de leituras, conseguir referências raríssimas e, quem saber, achar o amor da sua vida. 


5) Flexibilize sua linguagem sem perder a coerência epistemológica. 


Nossa comunidade científica possui uma linguagem hermética que se distancia do resto da Psicologia. Estudar Análise do Comportamento exige um processo de re-alfabetização. Quando nos dedicamos a ensinar ou discutir algum assunto com pessoas que não são da área, é importante aliviarmos um pouco nossa rigidez terminológica. 

Ao contrário do que alguns imaginam, podemos falar de mente, sentimentos, intenção, liberdade, psicoses, neuroses, associação livre e o diabo à quatro sem medo de nos distanciarmos da expertise analítico-comportamental. Mas é preciso levar em consideração nossas peculiaridades epistemológicas, que contrastam com grande parte das abordagens psicológicas vigentes e do senso comum. 


6) Leia sobre outros assuntos. 


Existe muita coisa boa sendo produzida em outras áreas, não se prive de estudá-las. Além disso, transitar em diferentes assuntos provavelmente aumentará suas chances de ser socialmente reforçado. 



Notas 

2- Mais sobre o E.T. Bilu: http://pt.wikipedia.org/wiki/ET_Bilu
3- Um site maravilhoso e cheio de pechinchas é o: www.estantevirtual.com.br 
5- Mais sobre a plataforma Lattes: http://pt.wikipedia.org/wiki/Plataforma_lattes
6- Para ficar por dentro do calendário de eventos, você pode participar do grupo "Jornadas e Encontros de Análise do Comportamento" no facebook: https://www.facebook.com/groups/183498388401750/

domingo, 25 de março de 2012

Metacontingência: necessária ou não?

“Aplicar nossa análise aos fenômenos do grupo é um modo excelente de testar sua adequação, e se formos capazes de explicar o comportamento de pessoas em grupos sem usar nenhum termo novo ou sem pressupor nenhum novo processo ou princípio, teremos demonstrado uma promissora simplicidade nos dados”. 
B. F. Skinner (1953/2003, p.326) 

Diante desta citação do livro Ciência e Comportamento Humano, falar em metacontingências – conceito cunhado por Sigrid Glenn (1986) para tratar do estudo da cultura – pode parecer um retrocesso. Sua necessidade ou relevância ainda são explícitas para alguns analistas do comportamento, embora estudos venham sendo exaustivamente realizados, mostrando a metacontingência como “um conceito que auxilia na visibilidade acerca da seleção de práticas culturais” (Gusso & Kubo, 2007, p. 141). 

Em primeiro lugar, metacontingências não tornam um novo campo de análise possível (Carrara apud Gusso & Kubo, 2007), pois a análise da cultura já era contemplada através das contingências de reforçamento, não sendo novidade na Análise do Comportamento (Gusso & Kubo, 2007). Além disso, “o estudo e debate sobre esse conceito não diminuíram a relevância das noções de ‘comportamento’ e de ‘contingência de reforçamento’, e qualquer análise cultural dependerá dessas noções básicas da Análise do Comportamento para se concretizar” (Gusso & Kubo, 2007, p. 143). De acordo com Carrara (apud Gusso & Kubo, 2007), talvez o conceito de metacontingências possa aperfeiçoar as análises e sínteses culturais. Nesse sentido, deve-se questionar: “a noção de metacontingência torna mais eficiente a análise de fenômenos culturais?” (Gusso & Kubo, 2007, p. 142-143); ou seja, ela realmente torna os analistas do comportamento capazes de intervir em uma prática cultural, planejá-la e modificá-la? 

O conceito descreve relações funcionais que envolvem certas contingências entre duas pessoas ou mais (contingências comportamentais entrelaçadas ou CCEs) e seus produtos. As CCEs não são continências comportamentais alargadas ou a mera soma de comportamentos individuais, pois podem permitir resultados que não seriam obtidos por cada indivíduo isoladamente. Além do mais, vale ressaltar o duplo papel dos que participam de uma CCE, o de emissão de uma resposta e o de ambiente para a ação de outro Aqui entramos na definição de prática cultural (PC), que envolve relações comportamentais que fazem parte do repertório de uma pessoa e são replicadas no repertório de outrem da mesma geração e entre sucessivas gerações de indivíduos (Glenn; Glenn & Malagodi apud Andery et al, 2005). Tais relações comportamentais replicadas podem ser entrelaçadas ou não, em outras palavras, pode se tratar de várias pessoas se comportando de maneira similar, não havendo necessariamente um entrelaçamento entre suas respostas. 


Um exemplo de PC dado por Glenn (2004) é o de um restaurante e seus componentes (proprietários, garçons e outros funcionários). Cada um exerce suas próprias funções, desde cozinhar, servir clientes e gerenciar o fluxo de caixa (vários indivíduos se comportando, cada qual com suas conseqüências imediatas), constituindo uma CCE. Porém, cada operante que compõe a prática não conseguiria o resultado do entrelaçamento dos comportamentos, que é a comida servida rapidamente para os clientes, como também a própria ida dos clientes ao local. 

A partir destas considerações, pode-se olhar para o comportamento de cada indivíduo de duas maneiras: provendo conseqüências para o comportamento do outro (mantendo o comportamento individual – relação de contingência) e, por outro lado, produzindo um produto conjunto (PA) resultado do entrelaçamento dos comportamentos (entrando no campo das contingências culturais/metacontingências). Logo, o estudo da unidade cultural não entraria em choque com a já conhecida contingência de reforçamento, mas surgiria a partir dela. (Assim, para se entender esta unidade pode-se recorrer ao sufixo “meta”, que demonstra uma relação hierárquica, pois metacontingências emergem na evolução cultural constituindo-se a partir de continências comportamentais (Glenn apud Andery& Sério, 2005) – não é possível deixar de lado a noção de comportamento já amplamente aceita. Porém, esta noção não têm se mostrado suficiente nas questões relativas à cultura (Andery & Sério, 2005) e a metacontinência vem se mostrando como candidata em potencial para completar esta lacuna. 

Por fim, vale ressaltar a fundamental importância dos estudos experimentais de metacontingências, pois o conceito só poderá ser acuradamente utilizado em possíveis intervenções culturais como ferramenta do analista do comportamento se for adequadamente estudado. 

Referências: 

Andery, M. A. P. A & Sério, T. M. A. P. (2005). O conceito de metacontingências: afinal, a velha contingência de reforçamento é insuficiente? Em Todorov, J. C.; Martone, R. C.; Moreira, M. B. (pp. 149-159). Metacontingências: comportamento, cultura e sociedade. Santo André: Esetec. 

Andery, M. A. P. A., Micheletto, N. & Sério, T. M. A. P. (2005). A análise de fenômenos sociais: esboçando uma proposta para a identificação de contingências entrelaçadas e metacontingências. Em Todorov, J. C.; Martone, R. C.; Moreira, M. B. (pp. 129-147). Metacontingências: comportamento, cultura e sociedade. Santo André: Esetec. 

Glenn, S. S. (2004). Individual behavior, culture and social change. The Behavior Analyst, 27(2), 133-151. 

Glenn, S. S. (1986). Metacontingencies in Walden Two. Behavioral Analysis and social action, 5, 2-8. 

Gusso, H. L. & Kubo, O. M. (2007). O conceito de cultura: Afinal, a “jovem” metacontingência é necessária? Em: Revista Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental, 9, 139-144. 

Skinner, B. F. (1953/2003). Ciência e comportamento humano. 11 ed. São Paulo: Martins Fontes.

Contribuições da Análise do Comportamento para Avaliação e Tratamento da Doença de Alzheimer

Erica Vila Real Montefusco, Psicóloga pela Universidade Federal do Ceará (2009), Pós-Graduada em Neuropsicologia pela Faculdade Christus (2011) – Fortaleza, CE

Paulo Estêvão da Silva Jales, Psicólogo pela Universidade Federal do Ceará (2011) – Fortaleza, CE


A velhice é associada, popularmente, a um estado de perdas, limitações e deficiências. Para além das modificações biológicas, há também mudanças psicossociais, incluindo aquelas de personalidade e das relações sociofamiliares, que podem desembocar na chamada “velhice patológica”. Nesse período da vida muitas questões passam a permear o indivíduo, sendo as mais frequentes aquelas relacionadas às doenças e à morte.

Nesse contexto, destaca-se a doença de Alzheimer, que é, hoje, considerada um problema relevante de saúde pública, tanto pelo aumento do numero de casos (decorrentes, dentre outros motivos, do aumento da expectativa de vida), como pelo impacto da enfermidade na vida de pacientes e familiares.

Segundo a literatura da área, não há consenso sobre suas causas. Sabe-se que se trata de um quadro degenerativo do sistema nervoso, de aparecimento insidioso, com déficits precoces na memória recente seguidos pelo desenvolvimento de afasia, apraxia e agnosia após vários anos (TOMAZ, 1996). 


De acordo com o acima explicitado, consideramos importante fazer um parêntese para uma melhor explicação dos termos mencionados. A afasia consiste numa desordem de linguagem consequente a uma lesão encefálica focal (GIRODO e SILVEIRA, 2008). A agnosia ocorre quando o paciente perde a capacidade de reconhecer objetos, sem que se verifique comprometimento dos órgãos sensoriais, e a apraxia pode ser definida como um distúrbio na execução de movimentos aprendidos (GRIEVE, 2006).

Alguns indivíduos podem apresentar alterações da personalidade ou maior irritabilidade nos primeiros estágios. Nos estágios posteriores, podem desenvolver perturbações motoras e da marcha, podendo por fim ficar mutdos e confinados ao leito (DSM-IV, 1995). O mecanismo de atrofia cerebral se dá inicialmente em áreas como o hipocampo, estendendo-se posteriormente a todo o córtex cerebral, afetando não apenas a memória, mas também as demais funções cognitivas (PETERSEN, 2006).

Pessoas acometidas por esta patologia podem se esquecer de datas, de pessoas importantes em suas vidas, assim como perder objetos e demonstrar desorientação em relação ao tempo e espaço. O engajamento em atividades rotineiras diminui, assim como em atividades de convívio social. Podem também se tornar agitados, impacientes, confusos, agressivos, ansiosos ou apresentar comportamento social inadequado. O desempenho cognitivo decai até que, em geral, a morte sobrevém como consequência da inatividade e da manifestação de outras doenças (GIL, 2007).

É importante ressaltar que, independente das alterações neurológicas apresentadas pelo portador de Alzheimer, o diagnóstico dessa doença é primariamente baseado na avaliação dos prejuízos à memória e no comprometimento das atividades cotidianas do indivíduo (fazer compras, voltar pra casa etc) (PETERSEN, 2006).

Perceba-se que o critério da avaliação recai sobre alterações no comportamento apresentado pelo paciente. Um bom diagnóstico deve considerar a conduta passada e presente do paciente, comparando seu desempenho com desempenhos anteriores. Mais do que isso, um bom profissional reconhecerá alterações no ambiente próximo do paciente, estando atento à mudança de atitudes dos parentes, amigos e cuidadores.

Essa perspectiva relacional, que foca a análise não apenas no organismo mas também no ambiente com o qual interage , já há muito é trabalhada pela clínica analítico-comportamental para a qual o treinamento ministrado ao profissional enfatiza a análise de contingências. Isso significa que o analista do comportamento, na sua prática regular, busca, na interação organismo-ambiente, eventos que possam influenciar na frequencia das respostas-alvo. Isso possibilita uma intervenção ampla de auxílio no convivo com a doença de Alzheimer. Ao retirar o foco das limitações e déficits apresentados pelo paciente e direcionar a observação para as contingências que controlam as classes de respostas com alta e baixa frequência, a análise do comportamento privilegia a obtenção de reforçadores e minimiza os produtos colaterais da punição, promovendo uma convivência menos aversiva com os efeitos da doença, tanto para o paciente como para aqueles que lhe são próximos.

Pontes e Hübner (2008), ao falar sobre reabilitação neuropsicológica, apontam algumas razões pelas quais os métodos comportamentais são eficazes no tratamento da doença aqui discutida. Destacam-se a abundância de procedimentos tanto para diminuição de comportamentos-problema como para a instalação de novos comportamentos desejáveis, o estabelecimento de objetivos explícitos e com dificuldade e complexidade graduais, avaliação integrada ao planejamento da intervenção, tratamento individualizado e possibilidade de treinamento dos cuidadores para auxiliar e gerenciar as atividades propostas.

Obviamente que (ainda) não é possível impedir completamente a progressão da degeneração neuronal na Doença de Alzheimer, mas, a análise do comportamento é profícua em arranjar contingências para a proliferação de respostas alternativas que produzam os mesmos reforçadores. Apesar do componente neuroanatômico limitar o comportamento, os anos de prática da clínica comportamental e os resultados apresentados nas mais diversas áreas do conhecimento demonstram que a influencia do ambiente, a estimulação contínua e o treinamento, são capazes de conjurar comportamentos muitas vezes considerados impossíveis (para mais informações sobre o assunto sugerimos a leitura do livro Guia da Clínica Mayo sobre o Mal de Alzheimer, 2006, especialmente o capítulo 6 para esta questão).

O profissional chamado à intervir nos casos de pessoas com idade avançada, notadamente os portadores da doença de Alzheimer, também atua junto à família e aos cuidadores, trabalhando, além do diagnóstico, aspectos do prognóstico, prestando esclarecimentos e fazendo acompanhamento em caso de óbito. Dada a ampla atuação e à expansão dos conhecimentos no campo de trabalho, o psicólogo constantemente se sente estimulado e instigado a coletar dados sobre a patologia, possibilitando uma maior compreensão da Doença de Alzheimer e posterior incremento das práticas e intervenções clínicas, atingindo, assim, o objetivo de promover melhorias na qualidade de vida do paciente e de seus familiares.

Palavras-chave: Neuropsicologia, Doença de Alzheimer, Análise do comportamento.

Referências Bibliográficas

DSM-IV - Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre, Ed. Artes Médicas, 1995.
GIL R. Neuropsicologia. São Paulo: Santos; 2007.
GIRODO, C.M, GIRODO, G.A, SILVEIRA, V.N. Afasias. In: Neuropsicologia teoria e prática. Daniel Fuemtes [et. al].Porto Alegre: Artmed, 2008.
GRAEFF [et. al]. Neurobiologia das doenças mentais. São Paulo; Lemos Editorial, 1996.
GRIEVE, J. Neuropsicologia em terapia ocupacional. São Paulo: Santos, 2006.
PETTERSON, R. Guia da Clínica Mayo sobre o Mal de Alzheimer. Rio de Janeiro, Anima, 2006.
PONTES, L. M. M., HÜBNER, M. M. C. A reabilitação neuropsicológica sob a ótica da psicologia comportamental. Revista de Psiquiatria Clínica, 35 (1); 6 – 12, 2008.
PETERSEN, R. C., STEVES J. C., GANGULI, M., TANGALOS, E. G., CUMMINGS, J. L. & DeKOSKY, S. T. Practice parameter: early detection of dementia: Mild Cognitive Impairment. Neurology. 56,p.1133-1142, 2001a.  Disponível em: <http://www.siumed.edu/neuro/AAA2010/documents/41.pdf> Acesso em: 08 fev 2011.

sábado, 24 de março de 2012

I Congresso Brasileiro de Terapia por Contingências de Reforçamento (TCR) - Campinas/SP

Em 18 e 19 de maio de 2012, o ITCR estará promovendo o I Congresso Brasileiro de Terapia por Contingências de Reforçamento, na Faculdade Anhanguera, em Campinas-SP. O congresso irá ter como foco atividades que ensinem conceitos teóricos relacionando-os diretamente à prática clínica - mais do que dizer como fazer, ensinar a fazer.


As inscrições já estão abertas. Também podem ser inscritos trabalhos e painéis, e o congresso contará com uma premiação para os 3 melhores painéis das suas categorias. Aproveite a oportunidade!

Entre as presenças já confirmadas estão profissionais reconhecidos da abordagem como Deisy das Graças de Souza, Hélio Guilhardi, Maly Delitti, Isaías Pessotti, Júlio Cesar de Rose, Martha Hübner e muitos outros. Confira a programação neste link.

Valores das inscrições:
  • Estudantes: R$ 180,00
  • Estudantes e Profissionais do ITCR:  R$ 150,00
  • Estudantes das Faculdades Anhanguera: R$ 150,00
  • Estudantes de Pós-Graduação:  R$ 180,00
  • Profissionais formados na graduação em 2010/11: R$ 180,00
  • Ex-alunos do ITCR: R$ 200,00 
  • Profissionais: R$ 240,00
Confira o site do congresso e saiba como se inscrever neste link. Participe!

sexta-feira, 23 de março de 2012

Pesadelos de consumo

Gostaria de abrir este post com as seguintes perguntas:

- Você precisa de todos os bens materiais que possui?
- Você precisa de todos os serviços que solicita?
Se você estiver em sua casa, basta olhar ao redor para fazer uma breve análise de suas posses e classificá-las de acordo com a necessidade que você tem delas.

Normalmente, os itens de menor frequência de uso estão em prateleiras altas de difícil acesso e os itens de maior frequência de uso estão ao redor do local onde você permanece a maior parte do tempo.

Alguns destes itens mudam com uma certa frequência. Um exemplo deles é o celular: alguns meses após sua compra, há uma versão mais nova daquele aparelho. Isto é conhecido por obsolescência programada. A garantia de seu celular expira e seu conserto se torna mais custoso do que sua troca.

Para onde vão os celulares?


Acredito que não seja novidade que os celulares viram lixo e seus compostos eletrônicos são dificilmente reaproveitados ou reciclados. Isto faz com que compostos nocivos sejam liberados no ambiente causando complicações já conhecidas nossas (contaminação de solo, lençóis freáticos, acúmulo de substâncias na cadeia alimentar, entre outros).

Mas, como estamos falando de comportamento humano, vamos tentar entender como este processo de obsolescência programada pode afetar o comportamento de indivíduos e/ou práticas culturais.

Para começo de conversa, acredito que um aspecto que deve ser levado em conta são as propriedades discriminativas dos estímulos antecedentes que tem maior chance de controlar nosso comportamento.

Quais são elas?

Primeiro, vamos pensar em "porque" compramos um celular.

Compramos um celular por que há celulares à venda.

Por mais óbvio que isso possa parecer, há um motivo de estar na lista: a presença de determinados itens no mercado pode ou não fazer com que surja uma demanda para a obtenção destes itens. Estamos de acordo?

Os celulares criaram uma demanda. Os pagers, nem tanto.

O que mais pode sinalizar que "comprar um celular" é adequado?
  1. Uma solicitação de pessoas (pais, responsáveis, chefes, amigos, entre outros) para a obtenção de um celular; 
  2. Atividades (sociais, de estudo, de trabalho) que podem ser realizadas com o auxílio de ferramentas oferecidas pelo celular. 
Além disso, o que deve ser levado em consideração para "comprar um celular"?
  1. Recursos financeiros necessários e disponíveis para realizar a compra; 
  2. Outros meios de comunicação disponíveis bem como propriedades de seu alcance (quantas pessoas e que área são abrangidas por estes meios de comunicação, entre outros); 
  3. Recursos que os diferentes tipos de aparelho disponibilizam; 
Apenas listo aqui alguns exemplos de propriedades das condições antecedentes daquele comportamento.

Convido agora vocês leitores a refletirem sobre a seguinte questão: quando essa demanda surgiu? Celulares eram itens de luxo, hoje são aparelhos triviais que são utilizados, na maior parte do tempo, para cumprir diferentes funções que não apenas "realizar chamada de voz".

sinalizadores de consequências reforçadoras cada vez mais evidentes para o comportamento de comprar um celular uma vez que há um número cada vez maior de pessoas com celular frequentemente evidenciando estas consequências. Além disso, as consequências do "comprar um celular" estão frequentemente na mídia.

mais pessoas apresentando mais modelos e evidenciando mais as consequências. A partir de um certo ponto, "não ter um celular" passou a ser prejudicial.

Podemos distinguir então duas classes de comportamentos descritas a partir da mesma resposta ("comprar um celular").
  1. O comportamento mantido pelas consequências potencialmente reforçadoras (operação de reforço positivo). 
  2. O comportamento mantido como forma de evitação às consequências aversivas (operação de reforço negativo). 
Faço referência aos celulares, mas aponto que é possível atribuir a mesma análise (ou análises parecidas) a outros itens, principalmente tecnológicos.

Eu havia me proposto a analisar problemas que vão além da esfera ambiental, e vou começar a fazê-lo agora. Não vou terminar de fazê-lo neste post, então espero que os colegas me ajudem a enriquecer o debate.

Gostaria que este post se tornasse um fator de motivação por mostrar elementos aos quais normalmente não temos acesso para a análise de uma contingência muito complexa que é a do consumo de celulares. Convido-os a assistirem o trailer de 2'48'' sobre a extração de minérios para a produção de celulares chamado "Blood in the Mobile" com legendas em espanhol (porém de fácil compreensão).


O documentário se propõe a apresentar elementos da cadeia de produção que não são discriminativos para os consumidores no momento da compra. Além de temporalmente e espacialmente distantes de onde o comportamento ocorre, não há alterações imediatas entre a apresentação da resposta de comprar o celular e o desenvolvimento do trabalho compulsório naquela região, o que dificulta o consumidor perceber que há uma relação entre os dois eventos. Nossa prática usual de consumo está sob controle de antecedentes e consequências mais próximos ao nosso comportamento. 

De acordo com Cortegoso (2008), para que esses elementos sejam percebidos como relacionados entre si, é necessário que haja uma explicitação dos elementos das contingências em vigor a curto e longo prazo. Isso pode ser o primeiro passo para tentativas de alterar a probabilidade de ocorrência de determinado comportamento.

Entretanto, um dos fatores que dificulta a ocorrência de comportamentos, também mencionado pela autora, é o custo de resposta. Por exemplo, consumir produtos orgânicos pode ser pouco viável se houver necessidade de ir até a casa do produtor para adquiri-los, mas pode ser mais provável se eles estiverem à exposição nas prateleiras do mesmo supermercado no qual você faz compras regularmente.

No caso do celular, há possibilidades, por exemplo, de manter contato por outros meios de comunicação, entretanto isto pode exigir a reestruturação de organizações inteiras sem a garantia de que os outros meios de comunicação não apresentem problemas similares. Ou seja, qualquer medida do tipo vai completamente contra o desenvolvimento econômico do país, e isso, convenhamos, é um belo custo de resposta.

A proposta de Serge Latouche de decrescimento, tendo em vista os problemas econômicos que podem ser ocasionados por medidas drásticas no consumo, faz uma distinção entre "decrescimento" e "crescimento negativo". Ele afirma que a necessidade de agora não seria destruir o que já foi construído, mas sim perceber que o que já foi construído é suficiente para muito mais do que pensamos que é. Em entrevista dada ao jornal do MAUSS, ele afirma:

"Uma lógica de crescimento [econômico] e um projeto de decrescimento são incompatíveis, mas o projeto de decrescimento visa fazer crescer a alegria de viver, restaurando a qualidade de vida (um ar mais sadio, água potável, menos estresse, mais lazer, relações sociais mais ricas etc.)."

Para Mance (2002) consumir de forma responsável consiste em: 

"[...] consumir bens ou serviços que atendam às necessidades e desejos do consumidor, visando: a) realizar o seu livre bem-viver pessoal; b) promover o bem-viver dos trabalhadores que elaboraram, distribuíram e comercializaram aquele produto ou serviço; c) manter o equilíbrio dos ecossistemas; d) contribuir para a construção de sociedades justas e igualitárias. "

O consumir responsável é aquele que favorece a felicidade e a liberdade de uma comunidade, e não que os aprisiona em minas e nos torna escravos de algo que tem data marcada para ficar obsoleto.

Referências:

CORTEGOSO, A. L. Consumo ético e responsável na Economia Solidária: compreensão e mudança de práticas culturais. Em Cortegoso, A. L. e Lucas, M. G. (Organizadores) Psicologia e economia solidária: interfaces e perspectivas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008, pp. 165-180.

Jornal do Periodico del MAUSS, Entrevista com Serge Latouche. Disponível em <http://www.jornaldomauss.org/periodico/?p=1609>

MANCE, Euclides André. Consumo solidário. 2002b. Disponível em: <http://www.solidarius.com.br/mance>

quinta-feira, 22 de março de 2012

Terapia de Casal: quando recomendar?


Quando devemos recomendar terapia de casal para alguém?

A psicoterapia ainda é uma prática muito pouco difundida, e se verifica com frequência que o leigo tem dificuldade de saber quando buscá-la ou não. Ao falarmos de terapia de casal, penso que as dúvidas são ainda maiores, e que há diferenças entre essas práticas que sugerem recomendações diferentes para cada uma delas (terapia individual e terapia de casal). Para apresentar minha opinião a este respeito, percorrerei um caminho um pouco tortuoso, mas penso que ilustrativo.

Começo perguntando ao leitor: por que algumas práticas saudáveis não fazem parte de nossa rotina? 


Nós, diariamente, dormimos, alimentamo-nos, tomamos banho e, na maioria dos dias, trabalhamos. Todos estes comportamentos são (guardadas as proporções adequadas) saudáveis para nós. Por outro lado, há uma série de outras coisas que são importantíssimas para nosso equilíbrio físico e emocional e para as quais damos pouca ou nenhuma atenção, como exercícios físicos, encontrar amigos, sairmos para nos divertir e nos conhecermos.

Todas as atividades acima deveriam fazer parte de nossa rotina, pois elas contribuem para nosso bem-estar global. Eu poderia listar os benefícios que cada uma delas podem nos trazer, mas isto faria com que este artigo ficasse extenso e, por não se tratar de nosso objetivo principal, correria um risco desnecessário (do leitor abandonar a leitura antes do final). Então, vou me ater apenas à última delas, nos conhecermos.

A terapia é um recurso desenvolvido para nos auxiliar na compreensão e modificação (quando necessária) de nosso modus operandi. Ou seja, é um processo pelo qual aprendemos a identificar como se estabelecem e o que mantém nossos comportamentos, nossas relações (sejam no contexto pessoal, afetivo, profissional, social, etc.). Através deste autoconhecimento, estaremos mais preparados a modificá-los quando verificarmos que a maneira como estamos vivenciando-os está nos trazendo sofrimento ou que sendo eles modificados poderemos obter ganhos no que se refere a “benefícios emocionais”. Assim, podemos caracterizar a terapia como um recurso desenvolvido para nos auxiliar a manter nosso equilíbrio emocional. 

Estes benefícios que a terapia pode proporcionar para o indivíduo podem se destinar ao seu bem-estar global, ou se direcionar a algum aspecto de sua vida. No primeiro caso, estamos falando da terapia individual, quando o cliente e seu analista/terapeuta trabalharão em diferentes frentes, tais como relacionamentos profissionais, familiares, pessoais, amorosos, etc., em busca de um equilíbrio emocional global, sendo esta altamente recomendável por mim, com praticamente nenhuma contraindicação. 


No caso de um trabalho “mais focado”, elege-se qual aspecto será alvo do trabalho. Como o próprio termo “focado” sugere, não se trata de algo para o bem-estar global, mas sim específico. Neste caso, sua recomendação também deve ser mais específica.

Se retomarmos a questão inicial — que é: quando se justifica uma terapia de casal? —, diria que uma terapia de casal se justifica em casos em que há grande sofrimento para manter a relação por ambos, ou a comunicação entre o casal não ocorre, ou ainda há o desejo de um dos membros de reformular a relação e a dificuldade pela outra parte de aceitar a mudança, entre outras possibilidades. Resumindo, a princípio, a terapia de casal é recomendável em casos que pelo menos um integrante do casal apresente sofrimento em decorrência das experiências vividas naquela relação. 

Porém, diferentemente da terapia individual, a qual acredito poder ser recorrida quase que sem restrições, não recomendaria a terapia de casal a todos os casos. Uma situação que eu a contraindicaria seria quando o problema que gera sofrimento a um dos membros do casal é o mesmo que ele vivencia em outros aspectos de sua vida e, ao mesmo tempo, o outro membro do casal não vê nenhum problema na relação. Por exemplo, uma das partes relata ter medo de ser abandonada pela outra, mesmo não se verificando indícios que isso está prestes a ocorrer – ao contrário, a outra parte reafirma que está satisfeita com a relação –; e, medo de perder o emprego, os amigos, etc. Neste caso, minha sugestão seria que este indivíduo buscasse se engajar em uma terapia individual, pois seria mais proveitoso para ele do que a terapia de casal.

Resumindo, a terapia de casal deve ser indicada mais em casos que há problemas específicos na relação afetiva e que dizem respeito aos membros do casal. Neste caso, difere da terapia individual, que, como defendi mais no início deste artigo, é altamente recomendada ainda que puramente como forma de autoconhecimento, independentemente da existência ou não de problemas imediatos.


Sugestão de leitura: 

Borges, N. B., & Cassas, F. A. (2012). Clínica Analítico-Comportamental: aspectos teóricos e práticos. Porto Alegre: Artmed.

Delitti, M., & Derdyk, P. (2008). Terapia Analítico-Comportamental em Grupo. Santo André: ESETec.

Yalom, I. D. (2006). Psicoterapia de Grupo: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed.