quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Os doutores médicos e o Médico Doutor

"Hei de concordar em parte (...) que a língua é uma questão de usos e costumes, que os falantes são os senhores absolutos de seu idioma, que os usos lingüísticos não se regulamentam por decretos, por imposição de resoluções"
 "Doutor, um título acadêmico em Constante Usurpação"
José Ricardo Chagas


Entrando na Máquina do Tempo: Um pouco de história, para começar.

Historicamente, o termo Doutor é usado para se referir a advogados, médicos e a outras figuras de autoridade de forma indiscriminada. É comum, especialmente entre pessoas mais humildes ou funcionários mal preparados, associarem o termo a pessoas com status social, intelectual ou econômico superior.

O título foi outorgado pela primeira vez aos filósofos e aqueles que promoviam audiências públicas sobre "temas filosóficos". Com isto, os advogados também adquiriram o direito de serem chamados de doutores.

A partir do Séc. XII, o título passou a ser atribuído somente a grandes filósofos, como Tomás de Aquino, Duns Scott, Rogério Bacon e São Boaventura. No meio acadêmico, o título foi outorgado pela primeira vez a um advogado. Anos depois, a Universidade de París passou a conceder o título somente àqueles diplomados em direito.

Alvará Régio, editado por D. Maria, Rainha de Portugal, estabeleceu que os Bacharéis em Direito teriam o direito de serem  chamados de Doutores. O decreto imperial que criou os cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, assinado em 11 de agosto de 1827, concedeu definitivamente o título de Doutor a todos aqueles com diploma de advogado.

Os cursos de Doutorado em Medicina (M.D.) e em Filosofia (Ph.D) foram criados apenas 652 anos após a criação dos cursos de doutorado em Direito Civil e Canônico, no ano de 1875. Os médicos recebiam este título quando tornavam-se figuras eminentes na sociedade.

Médicos de pessoas importantes, como da Rainha Victória, tinham que apresentar seu título de Doutor Honorário para poderem exercer suas funções.

As informações históricas sobre o título 
de Doutor foram retiradas deste link.


Saindo da Máquina do Tempo: O Título de Doutor Hoje em Dia

Com a  Lei nº 9.394/96 (Diretrizes e Bases da Educação), que institui o título acadêmico de Doutorado no Brasil, o decreto imperial antes citado foi revogado. Isto quer dizer que, perante a lei, só é doutor quem cursou programa de doutorado reconhecido pela Capes e não há a menor necessidade de juristas e médicos serem tratados por Doutores.

É errado chamá-los assim? Creio que não. Como eu disse no início, as pessoas mais humildes o fazem por uma questão de usos e costumes e quem sabe, por desconhecimento. O que acho desnecessário é ostentar o título sem tê-lo.

Por que será que alguns fazem tanta questão de serem chamados de Doutores?

Por que ELES em específico o fazem, não posso dizer. Mas dá para discutir os "significados implícitos" deste "desejo".

Historicamente, o termo Doutor tem sido usado como pronome de tratamento para dirigir-se a figuras de autoridade, pessoas de destaque na sociedade. Estas pessoas gozavam de privilégios - dentre os quais, um tratamento diferenciado por parte da população - que os demais não podiam obter. Certamente, isto já é o bastante para muitos se auto-intitularem doutores. É um jeito de angariar este reconhecimento, se colocar em um patamar superior.

Não estou dizendo que todos os juristas e médicos que assinam assinam "Dr." o fazem por este motivo. Certamente, uns poucos o fazem simplesmente por uma questão de usos e costumes, assim como as pessoas que os tratam por meio deste pronome.

Mas se o pronome de tratamento Doutor é uma forma de reconhecimento, de colocar-se acima do patamar, do "comum", algumas pessoas realmente o merecem. É o caso de um médico que me atendeu em uma cidade aí que não direi o nome (para evitar problemas), estes dias. Ele era o único médico da cidade inteira. Trabalhava há mais de 72 horas sem pausa e já chegou a trabalhar por 5 dias neste ritmo. Mesmo tão cansado e sendo solicitado a todo momento (afinal, era o único médico da cidade), me atendeu com extremo cuidado e atenção. Perguntou, explicou, conversou, examinou. Coisa rara em médico do SUS. "O Cara" chama-se Dr. Ricardo.

Esse cara merece ser chamado de Doutor. Se não é Doutor em Medicina, é Doutor em Ser Humano. Ele chegou a trabalhar por 8 meses sem receber um só centavo da prefeitura da cidade. É. A prefeitura de lá chega a este extremo: deixar seus profissionais CONCURSADOS sem receber um só centavo por meses!

Perguntei a ele porque é que se submeteu a isto; pois, sendo médico, poderia ganhar rios de dinheiro em outro lugar. Adivinhem qual foi a resposta? Veja: "não posso largar o povo daqui, porque se eu sair, eles vão ficar desassistidos....". Creio que dispensa maiores comentários.

Isto é bonito. Mas por outro lado, é assustador. Como é que uma pessoa consegue se submeter a uma situação destas? Está literalmente se matando de trabalhar. E muitos por aí que se auto-intitulam Doutores não fazem NADA. Por exemplo, uma médica de minha cidade (não citarei nome), que atende no PSF de meu bairro. Trabalha só 4 horas por semana e ganha tanto quanto os demais médicos do SUS. 

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