terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Cursos a distância valem a pena?

Motivos para cursos a distância fracassarem.

O uso das novas tecnologias da informação e comunicação para fins educacionais tem crescido cada vez mais no país. Entretanto uma boa parte de educadores e educandos, ainda tem dúvidas ou receios quanto a efetividade de tais tecnologias como instrumentos de ensino. Atualmente estou concluindo uma pesquisa de TCC sobre o tema, minha resposta para a pergunta do título é a seguinte:  cursos a distância podem sim valer a pena, todavia, bem como no modelo tradicional (presencial), muitos cuidados devem ser tomados para garantir a eficácia do ensino.
A discussão sobre o assunto é bastante extensa, neste texto tratarei apenas de  dois aspectos que considero como maiores fatores para alguns métodos não presenciais NÃO derem certo. Em textos futuros, pretendo trazer modelos de programas de ensino a distância bem sucedidos.





Razão 1: Incompreensão de aspectos pedagógicos:  diferença entre ensino e aprendizagem

Há ainda na nossa educação (enquanto prática), uma má compreensão dos conceitos de ensino e aprendizagem. Da minha experiência com modelos de ensino, esta má compreensão é um dos  principais motivos  da maioria dos métodos não presenciais fracassarem.
Aprendizagem diz respeito à sensibilidade do organismo no contato com o meio. Isso significa que é através do contato do organismo com seu ambiente que este aprende. Aprender é passar a fazer algo que antes de um determinado evento ambiental, o organismo não fazia ou fazia de maneira diferente. Na espécie humana (como em muitas outras), a capacidade de aprender é natural, no sentido de que o organismo humano nasce com esta capacidade. A origem desta capacidade está na história filogenética da nossa espécie. Aprendizagem não é função, necessariamente, de ensino; assim, um indivíduo pode aprender sem ser ensinado.

Ensinar é arranjar as contingências para que o organismo aprenda, ou seja, criar as condições para que haja aprendizagem (SKINNER, 1975; ZANNOTO 1997). A partir destas definições chegamos ao entendimento de que para dizermos que um organismo foi ensinado, não basta olharmos para o que foi aprendido;  precisaríamos também olhar para a forma como esta aprendizagem ocorreu. Aprendizagem existe sem ensino, mas ensino não existe sem aprendizagem.

No mercado hoje, existem muitos cursos online baseados em modelos autodidatas (em geral o aluno assiste a vídeos explicativos, lê texto e faz exercícios sem o auxílio de um professor ou instrutor). Apesar de em muitos casos o aluno acabar aprendendo, nesta situação de fato ele não está sendo ensinado.
No modelo presencial de ensino, isso equivaleria a ir na escola,  receber um livro do professor com o conteúdo, estudar por “conta própria”, e depois realizar uma prova. O aluno até pode aprender, mas não está sendo ensinado. Ensinar é arranjar as condições para o ensino  ocorra e para tal tarefa, existem critérios que não podem ser negligenciados. A aprendizagem sem ensino (quando ocorre) possui inúmeras desvantagens. Sobre o assunto, recomendo dois livros que considero fundamentais para qualquer profissional da áreas de educação e ensino. O primeiro é o popular Tecnologia do Ensino do Skinner. O segundo é uma obra da professora Maria de Lurdes Baro Zanotto, intitulada Formação dos professores – A contribuição da Análise do Comportamento.

Razão 2: O ensino como produto.

Para falar do segundo aspecto mais comum no fracasso do ensino a distância, cito um trecho de um outro texto que escrevi aqui (clique aqui para ler) no Comporte-se há alguns meses atrás:
 “Pensar em qualquer fenômeno humano implica também pensar no contexto social e econômico nos quais este fenômeno ocorre. Dado o nosso atual contexto, onde a educação também pode ser considerada um produto que pode ser vendido com a finalidade de arrecadação de capital, por vezes a exploração de tais tecnologias pela indústria se dá exclusivamente por aspectos econômicos, mesmo que isso comprometa a qualidade final de um produto ou serviço que esteja voltado para o ensino.”

De fato, a mercantilização do ensino é um dos fatores que mais comprometem a qualidade do cursos a distância, mas isso não significa que todos estes serviços sejam piores do que o ensino presencial, pois mesmo o modelo tradicional (o presencial) sofreu o impacto da indústria da educação. Podemos citar o exemplo do grande crescimento do número de universidades privadas pelo país. Assim como no EAD, este crescimento se deu em parte (e acredito que em maior parte) por razões exclusivamente de mercado. Lamentavelmente ainda vivemos em um sistema político onde questões tão fundamentais como é a da educação por vezes acabam por responder  exclusivamente a demandas econômicas.

Você está sendo de fato ensinado?

Cuidado! Não pague por um serviço que você não está comprando. Tenho visto surgirem muitos cursos de ensino a distância que mais se baseiam no “autodidatismo” do que no ensino de fato. Neste sentido tais cursos não podem ser chamados de cursos de ensino a distância, no máximo são programas de autoaprendizagem (que possuem inúmeras desvantagem em relação o ensino sistemático e programado). Também tenho visto surgirem sites e portais na internet que oferecerem milhares de cursos (o mais famosos deles oferece mais 800 cursos diferentes). Você já parou pra pensar na qualidade destes cursos? Imagine uma universidade que ofereça 800 cursos, quantos profissionais professores QUALIFICADOS seriam necessários para atender esta demanda? Você acredita que tais portais possuam estes profissionais?  

A contribuição das tecnologias da informação para o avanço da educação é um fato inegável e é  evidenciado pelo grande número de excelentes cursos de formação a distância que também vem surgindo. Todavia, bem como no modelo presencial, atente para o que está comprando, ou perderá tempo e dinheiro.

Referências

Skinner, B. F. (1968). Tecnologia do ensino. São Paulo: E.P.U., 1972. - Livro
Zannoto M.L.B (1997). Formação de Professores, A contribuição da análise do comportamento - Livro
Luz, D.M (2011).  Possíveis Critérios para avaliação de softwares educativos – Disponível Online

9 comentários:

Anonymous disse...

"Ensinar é arranjar as contingências para que o organismo aprenda, ou seja, criar as condições para que haja aprendizagem" por que motivo a situação na qual "o aluno assiste a vídeos explicativos, lê texto e faz exercícios sem o auxílio de um professor ou instrutor" não poderia ser considera "ensinar", já que fornecer vídeos e livros, por exemplo, poderia se encaixar na definição de ensino como "arranjar as condições para o ensino ocorra"? É dúvida mesmo.

David Luz disse...

Olá Anônimo rsrs! Muita boa sua pergunta! Sua dúvida é bastante comum.Respondendo de forma bem geral e simplista...Apresentar o material ao aluno é parte do ensino sim mas não só.No sentido que isso não garante que ele aprenda.Ensinar envolve além de apresentar o conteúdo a ensinado, criar condições para que a resposta (o comportamento a ser ensinado) apareça no repertório organismo,e então reforçá-la, ( não sei se vc entende estes termozinhos do behavirismo, posso tentar explicar de outro modo). Além disso existem inúmeras outras diferenças significativas entre o aprender instruído (ser ensinado) e o aprender da vida.O assunto é bastante extenso , mas um livro bem didático sobre o assunto, é o tecnologia do ensino do Skinner mesmo...A concepção Skinneriana de ensino tem toda uma base no modelo científico e experimental, o que torna sua compreensão um pouco mais difícil mesmo! espero ter respondido! Abraços

Rodrigo Marquez disse...

Muito bom, David. Se não me engano, estão querendo criar cursos de Psicologia à distância. Nos moldes atuais, eu não concordo. O que você acha?

Gustavo Tacito Oshiro Ceregatti disse...

"Prezado pesquisador David,
Tenho curiosidade em estudar mais sobre o assunto. Fiz um pequeno apanhado de informações sobre EaD para matéria de Sociologia II ano passado e até estudei na Univesp em 2010 no curso de Formação de Professores o qual abandonei ao entrar na Usp.
A pergunta que fica é :
Porque cursos a distância são viáveis para licenciaturas(Histórias, Geografia, Pedagogia, Formação de Professores) mas não viáveis para Direito, Medicina, Odontologia, Psicologia, Engenharias, Geologia entre tantos outros?
Aliás como vc falou na quantidade de cursos oferecidos...o Enriquecimento das IES(Instituições de Ensino Superior) privadas deve ser enorme né?
Um abraço,
Gustavo "

David Luz disse...

Rodrigo e Gustavo!
As perguntas de vcs são bem parecidas, então vou tentar respondê-las juntas rsrs.
Acho que uma coisa fundamental a se pensar quando estamos ensinando algo (seja no ensino presencial, seja no EAD), é que o estamos ensinando.Devemos ter um objetivo claro e definido do que queremos que o estudante aprenda (ou seja o que ele precisa passar a fazer que antes ele não fazia ou fazia de maneira diferente).Não há outro critério de verificarmos a aprendizagem se não olhando para o próprio comportamento do individuo seja ele "físico" ou "verbal".O comportamento mudou? o individuo faz coisas que antes da nossa intervenção(ensino) não fazia?).Respondendo mais diretamente a perguntas de vocês, aprender a fazer algo envolve, antes de mais nada o próprio fazer.Uma determinado comportamento (resposta) só pode ser reforçado, se ele aparece no repertório do indivíduo.No caso de certas disciplinas, como a geografia por exemplo, o que esperamos (em termos de comportamento) que um estudante faça quando ensinamos qual a capital da Bahia por exemplo é que responda verbalmente "salvador" na presença da pergunta "qual a capital da Bahia?".Neste exemplo o comportamento que queremos ensinar, pode ser "feito" pelo estudante em de forma verbal e nos modelos a distância tanto o nosso comportamento de perguntar, como o comportamento de responder podem ser facilmente realizados por individuos separados no espaço, mas frente a frente em programas de video conferencia como Skype e MSN.Entretanto Certos tipos de comportamento para serem "feitos" dependem de certas condições ambientais.Dirigir por exemplo depende além de tudo de um carro ( se bem que hoje em dia existem simuladores bem sofisticados rsrs). O que quero mostrar com tudo isso é a também importância do próprio fazer(além das consequências).Um comportamento só pode ser reforçado se ele (ou parte dele) aparece no repertório do individuo, ou seja se o indivíduo o faz.Se não há como o individuo fazer como podemos refoçar? creio que por isso que certos tipos de comportamento não podem ainda ser ensinados a distância.Rodrigo não sei te responder, preciso pensar, talvez parte de um curso de psicologia ( com os devidos cuidados) possa sim ser feito a distância, quais as condições de uma sala de aula que não podem ser transferida para uma metodologia online? Gustavo, uma posição minha e bem pessoal da sua questão sobre certos cursos não existirem a distância(como algumas das engenharias por exemplo), quero muito estar errado, mas acho mesmo que boa parte disso é pura reserva de mercado, pois não vejo problemas em facilitar o acesso das pessoas a certos tipos de conhecimentos...

David Luz disse...

Junio perfeito o seu comentário. Concordo com tudo que você colocou. E é exatamente isso que queria ter explicitado no texto mesmo. Quando você diz: "Diversos dos cursos online podem ser substituídos por leituras de artigos e livros e por discussões com colegas mais experientes ou mesmo com professores solícitos a responder um breve email." Acho que esta seria uma perfeita conclusão do meu texto. Ensinar diferente disso, envolve um compromisso daquele que ensina para aquele que é ensinado ( compromisso de criar e facilitar as condições para que ocorra aprendizagem da melhor maneira possível).Por este motivo, defendo que quando "compramos" ou simplesmente fazemos um curso de ensino a distância, devemos ser ensinados! rsrs Quanto a questão daqueles que buscam EAD não para aprender e sim para "comprar" um diploma, é um outro problema sério , creio que a questão seja ainda mais complicada mesmo, e acho que a discussão já caminharia para um outro lado, deveríamos pensar: hoje na nossa cultura por quais motivos as pessoas estudam?...

Junio Rezende disse...

Bacana, David. E boa questão. Acho que a resposta pode variar. Mas acho que, seja ela qual for, acabará na necessidade de 1) ofertar uma boa tecnologia de ensino, que pode estar sendo ignorada por desconhecimento, e de 2) conscientizar os consumidores sobre as diferentes formas possíveis de EaD, como você fez em seu texto, para que as escolhas de quem paga pelos cursos acabe por determinar qual tecnologia sobrevive e qual some do mapa.

Felipe Leite disse...

Olá,

Interessante texto. Recomendo a leitura do artigo "Sistema Personalizado de Ensino, Educação à Distância e
Aprendizagem Centrada no Aluno" de autoria de João Cláudio Todorov, Márcio Borges Moreira e Ricardo Corrêa Martone, no qual discutem a possibilidade do uso da metodologia de PSI na proposta da EAD.

O artigo pode ser encontrado no link:http://www.scielo.br/pdf/ptp/v25n3/a02v25n3.pdf

David Luz disse...

Obrigado pela indicação Felipe! com certeza vou ler! Gosto muito das publicações do Todorov, mas ainda não conhecia esta! Abraços

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