domingo, 29 de abril de 2012

O uso dos games¹ personalizados na clínica psicológica: uma possibilidade alternativa no processo de diagnóstico² comportamental.


O uso dos “games” com fins de entretenimento já é uma prática comum e bastante popular em diversos países. Uma pesquisa recente (2008) realizada nos EUA, aponta que 99% dos meninos e 94% das meninas americanas que possuem entre 12 e 17 anos, já jogou, pelo uma vez, video-games (Lenhart, Kahne, Middaugh, Macgill, Evans, & Vitak, 2008). No Brasil esta realidade não é muito diferente. De acordo com uma pesquisa realizada no ano passado (2011) pela Newzoo, no nosso país existem pelo menos 35 milhões de jogadores ativos (estão inclusos nestes dados as plataformas mais recentes de jogos tais como smartphones e tablets). Todavia, o uso dos chamados “games” também tem crescido fora da indústria do entretenimento. Games hoje são, por exemplo, utilizados na educação (Ghensev,2010), na publicidade (Vaz, 2010), na medicina (Machado, Moraes ,Nunes, Costa,2011), dentre outros.

No campo de estudos da psicologia, o interesse pela temática do vídeo-game também parece ter crescido muito nos últimos anos. Embora este interesse, na maioria das vezes, esteja relacionado às patologias ligadas ao uso excessivo dos mesmos (vide a atual discussão sobre a inclusão do vício em vídeos-games no DSM-V), estudos relacionados aos benefícios que os vídeo-games podem trazer também tem sido realizados. Um exemplo destes estudos, é o realizado pela pesquisadora e Ph.D Rachael Folds, da Escola Trent de Educação da Universidade de Nottingham. O trabalho da pesquisadora mostrou que através do uso de vídeo-games pacientes com síndrome de Down e autismo conseguiram melhorar a concentração em até 143%.

Existem diversas aplicações e usos dos vídeo-games na Psicologia. Neste pequeno resumo tento explicitar os benefícios do uso dos games personalizados (isto é programados pelo próprio terapeuta) na clínica-psicológica como uma alternativa no processo de investigação e diagnóstico comportamental. Este trabalho deriva de uma experiência pessoal no atendimento de uma criança encaminhada a clínica psicológica sob queixas de dificuldades de aprendizagem.

Observar as interações de indivíduos com do vídeos-games, pode nos trazer dados interessantes a respeito do seu repertório. Ainda mais quando as habilidades exigidas para resolver certos tipos de problemas no game são as mesmas utilizadas para resolver os mesmo problemas em contextos fora do vídeo-game (jogos de lógica e matemática, por exemplo). 

As possibilidades do uso de games como recurso para o diagnóstico ampliam-se enormemente se o terapeuta puder, ele próprio, controlar as contingências presentes no jogo (decidir qual a história, os personagens, o que acontece, os objetivos e as diferentes conseqüências que o jogador, neste caso o cliente, terá dependendo de suas ações). Em outras palavras o terapeuta poderia personalizar o game exclusivamente para um cliente. Na minha experiência, por exemplo, com atendimento de uma criança de doze anos, após alguns contatos iniciais desenvolvi um game personalizado onde pude observar como era o seu repertório de comportamentos para resolução de problemas matemáticos. O jogo foi elaborado pensando no que era trazido como queixa (por parte da escola e da família), no que a própria criança verbalizava (em termos de dificuldades), e no que eu mesmo pude observar (ao longo das primeiras sessões).

A customização do game pelo próprio terapeuta pode parecer uma alternativa pouco viável visto que não deve ser “muito” alta a incidência de profissionais psicólogos que sejam também programadores. A boa notícia é que dada o infinidade de jogos computacionais disponível no mercado (e uma boa parte deles gratuitos) escolher entre os milhares de jogos e plataformas disponíveis, já é uma tarefa quase como “personalizar”. Se o terapeuta tiver um bom conhecimento dos recursos disponíveis no mercado, ele próprio pode escolher os games mais próximos daquilo que pode o auxiliar no processo de investigação diagnóstico. Para concluir este breve resumo, defendo a ideia de que se o uso for bem feito, os vídeos-games podem servir como uma alternativa bastante válida das tradicionais situações de “teste” que para a maioria de nós é tão aversiva.

¹Compreende-se por  “games”jogos eletrônicos, de consoles ou computador.
²Compreende-se o termo diagnóstico como diferente do usado na literatura médica.Entenda-se como “diagnóstico comportamental “o termo empregado por Kanfer F.H  e Saslow G (1976).

Bibliografia Consultada:

Ghensev, R. O uso dos games na educação . 2010. Dissertação (Pós-Graduação em Mídias Interativas.) - SENAC. São Paulo.

 Kanfer, F. H., & Saslow, G. (1976). An outline for behavioral diagnosis. In E. J. Mash & L. G. Terdal (Eds.), Behavior therapy assessment . New York: Springer publishing Company.

Lenhart, A., Kahne, J., Middaugh, E., Macgill, E. R., Evans, C., & Vitak, J. Teens, video games, and civics. Washington, DC: Pew Interenet & American Life Project.

Machado, L.S, Serious games baseados em realidade virtual para educação médica.  Rev. bras. educ. med.,  Rio de Janeiro,  v. 35,  n. 2, June  2011

Vaz, G.G. Estratégias da publicidade nos games de segunda geração: potencializarão nas redes digitais.2010.Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Rio Grande do Sul

Sites:
Newzoo






5 comentários:

Anonymous disse...

Oi Davi, bem interessante seu texto. Sou psicóloga e venho pesquisando sobre o tema, porém gostaria de saber se o CRP reconhece a utilização de jogos na prática de Psicologia. Também gostaria de dicas sobre textos sobre psicologia e jogos computadorizados(ou serious game) e que lugar posso fazer um curso sobre o tema. Obrigada desde já. Flávia

Nicolau disse...

Legal o texto! Tive experiências semelhantes, de criar tanto programinhas ou games como ferramentas terapêuticas, diagnósticas ou interventivas. Já participei de pequenos de projetos de pesquisa que usavam games como ferramenta de coleta de dados também. Fiquei curioso para saber exatamente como era esse game que foi desenvolvido para a criança.

David Melo da Luz disse...

Olá Flávia! muito legal saber que tem gente pesquisando também sobre a temática.Em relação ao CFP reconhecer a utilização de jogos na prática da psicologia, não conheço nada neste sentido e nem sei se caberia diferenciar isso de outras atividades como o brincar com uma caixa-lúdica, ou desenhar durante a sessão.A grande vantagem dos games(personalizados) na minha opinião, seria a possibilidade de se programar certas contingências e situações com um refinamento muito maior do que os recursos tradicionais.Em relação a psicologia e jogos computadorizados, a bibliografia é bastante extensa nos temas relacionados a educação e patologias ligadas ao uso excessivo de jogos.Mas como possibilidade de intervenção clínica, existe muito pouco material produzido (menos ainda de analistas do comportamento).Mas posso sim te enviar o pouco que tenho.Com relação a cursos, eu sei que já existem alguns cursos de Game-design que incluem temas relacionados a psicologia, mas nunca vi o contrário (Cursos de psicologia incluirem games) rsrsrs .De qualquer forma, no Brasil, eu indicaria o curso de especialização do NPPI na PUC-SP, não é um curso especificamente sobre jogos, mas faço estágio neste núcleo e sei que é um dos mais avançados na discussão de temas relacionados a psicologia informática no país.Me manda um email! quero ouvir sobre suas pesquisas também! podemos trocar muitas figurinhas sobre o assunto! rsrs - Abraços davidluz@reife.com.br

David Melo da Luz disse...

Quel legal Nicolau! apresentei um poster na ABPMC 2011 sobre este atendimento, posso te enviar.Assim como falei para Flavia gostaria de ouvir sobre seus projetos também! rsrs somos poucos hoje! me manda um email: davidluz@reife.com.br! Abraços

David Luz disse...

Oi Flavia! Recebi seu email sim! Acabei de responder!! respondia lá rsrs - Abração

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